sexta-feira, 11 de março de 2011

HOMENAGEM: EXTINÇÃO - RÉGIS BONVICINO (BRASIL)*



Foto: bandeira do Brasil




Foto: Régis Bonvicino (Brasil)


"Para mim, poesia é um exercício de liberdade da palavra"

Régis Bonvicino




EXTINÇÃO


RÉGIS BONVICINO (BRASIL)


O lobo-guará é manso
foge diante de qualquer ameaça
é solitário
avesso ao dia, tímido

detesta as cidades
para fugir do ataque
cada vez mais inevitável
dos cachorros

atravessa estradas
onde quase sempre é atropelado
onívoro, com mandíbulas fracas
come pássaros, ratos, ovos, frutas

às vezes, quando está perdido,
vasculha latas de lixo nas ruas
engasga ao mastigar garrafas
de plástico ou isopores

se corta e ou morre ao morder
lâmpadas fluorescentes
ou engolir fios elétricos
morre ao lamber inseticidas

ou restos de tinta
ou ao engolir remédios vencidos
ou seringas e agulhas
descartáveis


dócil, sem astúcia,
é facilmente capturado e morto
por traficantes de pele
quando então uiva


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O viaduto apartou a rua agora

trecho estreito

viela curva

raízes rasgando o asfalto

carros transitando nas quatro pistas do viaduto

urina e fezes na calçada

latas velhas de anchovas em conserva

isopores, no pôr do sol

a carcaça de uma caixa ou de um freezer?

pombas pousando nos telhados

a cumplicidade das árvores altas

o outdoor

mendigos cultivando detritos

e seu rosto, o da modelo, anunciando

“claro

que tem mais tecnologia”

pilhas de papelão

carroças

ripas

o afinco do timbre de um caco de vidro

a cabeça enfiada no joelho

o frio mais sinistro de julho

anoitece

um vulto

ao lado do muro

calado

acariciando os arcos do arame farpado
.



*Régis Bonvicino nasceu na cidade de São Paulo, 25 de fevereiro de 1955) é um poeta, tradutor, antologista, editor e teórico da poesia brasileira.Formou-se em Direito pela USP, em 1978. Estreou na imprensa, já como escritor, em 1975, no Jornal do Arena. Trabalhou como articulista do Jornal da Tarde, da Revista Isto é, e da Folha de S. Paulo até 1989, entre outros empregos. Foi militante ativo pela redemocratização do país a partir de 1974. Ingressou na Magistratura, em 1990. Seguiu colaborando na Folha e iniciou sua colaboração em O Estado de S. Paulo, em 2000. Manteve uma coluna no Portal iG em 2008 e 2009. Publicou inúmeros livros, como Página Órfã (2007).

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