segunda-feira, 14 de março de 2011

HOMENAGEM: BAYÉTE - NOÉMIA DE SOUZA (MOÇAMBIQUE)*



Foto: Faces de África, de Ruth Palmer




BAYÉTE

NOÉMIA DE SOUZA(MOÇAMBIQUE)

Para RUI KNOPFLI


Ergueste uma capela e ensinaste-me a temer a Deus e a ti.
Vendeste-me o algodão da minha machamba
pelo dobro do preço por que mo compraste,
estabeleceste-me tuas leis
e minha linha de conduta foi por ti traçada
Construíste calabouços
para lá me encerrares quando não te pagar os impostos,
deixaste morrer de fome meus filhos e meus irmãos,
e fizeste-me trabalhar dia após dia, nas tuas concessões.
Nunca me construíste uma escola, um hospital,
nunca me deste milho ou mandioca para os anos de fome
E protistuíste minhas irmãs,e as deportaste para São Tomé...

-Depois de tudo isto,
não achas demasiado exigir-me que baixe a lança e o escudo
e de sojo, grite à capulana vermelhae verde
que me colocaste à frente dos olhos: Bayéte?




NEGRA


NOÉMIA DE SOUZA (MOÇAMBIQUE)


Gentes estranhas com seus olhos cheios doutros mundos
quiseram cantar teus encantos
para elas só de mistérios profundos, de delírios e feitiçarias...
Teus encantos profundos de Africa.
Mas não puderam.
Em seus formais e rendilhados cantos,
ausentes de emoção e sinceridade,
quedas-te longínqua, inatingível,
virgem de contactos mais fundos.
E te mascararam de esfinge de ébano, amante sensual,
jarra etrusca, exotismo tropical,
demência, atracção, crueldade,
animalidade, magia...
e não sabemos quantas outras palavras vistosas e vazias.
Em seus formais cantos rendilhados
foste tudo, negra...
menos tu.
E ainda bem.
Ainda bem que nos deixaram a nós,
do mesmo sangue, mesmos nervos, carne, alma,
sofrimento,
a glória única e sentida de te cantar
com emoção verdadeira e radical,
a glória comovida de te cantar, toda amassada,
moldada, vazada nesta sílaba imensa e luminosa: MÃE


* NOÉMIA DE SOUZA: nasceu Carolina Noémia Abranches de Souza, em Catembe, Moçambique, em 1926. Faleceu em Lisboa, em 2001. Vítima de perseguições políticas por parte das autoridades coloniais portuguesas, viveu muito tempo exilida na França. Noémia de Sousa estudou no Brasil e começou a publicar em O Brado Africano. Apesar de ser uma notável expressão da poesia na língua portuguesa, ela não acreditava que seus versos – aparecidos em jornais e folhas soltas – merecessem sair publicados em livro. Foi a Associação de Escritores Moçambicanos que, em 1988, reuniu seus poemas no livro “Sangue negro”.

Fonte: “A África está em nós: História e Cultura Afro-Brasileira”, Roberto Benjamim, Editora Grafset, João Pessoa, Brasil, 2004.
___________

Nenhum comentário:

Postar um comentário