sábado, 31 de dezembro de 2011

CONTO: SOYAGE- MATHEUS DE OLIVEIRA (BRASIL)






SOYAGE




MATHEUS DE OLIVEIRA (BRASIL)




Este é meu chão, esta é minha terra: Soyage. Terra de Kaomi, o deus do amanhecer. Pertenço a esse mundo extraordinário, que é mantido em sintonia com a natureza e todos os seres que aqui vivem, através de Ratomi, a deusa centro-mundi, a maior divindade desse mundo, que com grande resiliência dirige todos a estarem interados; estarem em unidade perante as adversidades que nos cercam, mas que ao mesmo tempo nos atraem a lutar re resistir, mas sempre mantendo um equilibrio entre os seres viventes, natureza e os deuses.
Arph, o deus criador, é aquele que com seus planos mirabolantes, criou-me. Fez-me “ser vivente”, através de uma junção amorosa com a mãe natureza, que é soberana sobre todos. Agradeço a Arph de ter me criado, de ter posto em mim o fôlego de vida.
Nosso mundo foi criado depois que uma grande chuva caiu sobre uma terra seca, perdida no espaço. Ratomi sempre existiu e sabia a todo tempo que nosso mundo e todos nós que aquí habitamos seríamos criados. Como uma explosão dentro de si, Taomi sentia tudo aquilo que a natureza fazia. Taomi sentiu cheiro de vida; sentiu a chegada de um novo tempo. Tudo foi criando cor e forma, mas numa dimensão tão grande e exuberante que nem Ratomi a poderia imaginar.
Soyage existe; surge. A natureza com seus mistérios insondáveis faz nascer do pó da terra: Kaomi, que veio ao mundo trazendo luz; direção aos seres já existentes, por isso foi nomeado por Ratomi, o deus do amanhecer. Arph, quem

deu-me a vida, nasceu do primeiro encontro das águas de Soyage, chamado de Teksqui. As águas submergiram um pedaço de madeira, a envolveram e a modelaram, minusciosamente, como mãos que com delicadeza amorosa tocam e transformam. De uma vida surge uma outra vida. Eu nasci através do primeiro sopro de vida de Arph, que foi tão forte, quanto o bradar de um gigante que estava adormecido, no profundo da forma.
Dentro de mim, nas profundezas do meu ser, olho e exalto as obras da mãe natureza, àquela que faz tudo com perfeição e grandiosidade, mas que ao mesmo tempo de uma maneira sutil me leva a adorá-la, e pensar no sentido da minha existência de “ser vivente” de Soyage. Eu Olukark desfaleço-me perante a essa natureza; perante a tamanha grandeza e soberania absoluta. Com todo direito e atenticidade me entrego e me rendo a ela: a sabedoria.
Às margens do igarapé de Sina, Arph me conta muitas histórias, principalmente sobre a mãe natureza e o processo de criação do nosso mundo. No meio de uma conversa ele me revela que nosso mundo existe hoje, só por causa de grande sacrificio que foi feito a milhões de anos atrás, por uma mulher, em um planeta muito distante do nosso, que se chamava Terra. Arph com grande diligência e diplomacia, conta-me que a Terra era um planeta muito lindo, gracioso, mas que nos últimos séculos não estava mais aprazível de se viver.
O homem, aquele que era chamado de imagem e semelhança de Deus, por causa da grande ambição, ia veemente destruindo o seu mundo; o seu lar, destruía aquele lugar que o seu criador havia lhe preparado. O homem fugia do perfeito plano de Deus para ele. Enquanto Arph me contava essa história, eu refletia e me questionava: “por que isso? Para que tanta ambição se Deus havia lhes dado tudo?”

Continuando o fio da história, Arph me contava que a mãe natureza ia sendo muito destruída e tão massacrada, que ela não suportou a tanto, que acabou se revoltando contra o homem. Vários desastres naturais ocorreram naquele planeta. Já não havia mais amor entre os seres, que um dia foram chamados de humanos.
A natureza com grande sapiência tomou uma decisão, uma decisão que mudaria a história de toda humanidade. Com o coração quebrado e chorando estabeleceu o designo de que a Terra e todos que nela habitavam seriam dizimados. Juntamente com o espírito da mudança, a mãe natureza escolhe uma mulher que vai ter grande participação na destruição do seu próprio planeta. Essa mulher com a voz da mãe natureza sibila uma melodia que entrega o espírito de todos àqueles viventes às entidades supremas. Aquela canção também representava o último suspiro do planeta, o último fôlego.
Grande escuridão caiu sobre todos. Esta hora marcava o fim da existência dos moradores da Terra. Enquanto Arph me contava essa história, eu devaneava esse evento histórico de forma grandiosa em mim. Arph me conta também, que essa mulher, que sibilou essa melodia, naquele dia, foi a única poupada pela mãe natureza da destruição que assolara aquele planeta.
A hora já estava avançada. Eu me despeço de Arph e vou embora para fazer minhas orações aos deuses, como sempre me foi ensinado, pelos ancestrais. E enquanto eu cumpria minhas obrigações da jornada de volta para casa, perguntei a mim mesmo:” E aquela mulher? Se sobreviveu, onde ela está? “Nesta hora em que eu refletia sobre, eu recebi uma luz. Uma direção de Kaomi, e concatenei essa mulher a Ratomi, imaginando elas serem a mesma pessoa. Fiz minhas orações naquela noite e fui dormir, com todos os sentidos aguçados.

Acordei pela manhã com a aprazível radiação da luz do Sol sobre mim. “ Oh, quão maravilhosa é sua bondade para mim, mãe natureza!” Te agradeço pela vida que me desperta pela doce manhã!” Para tirar minha dúvida da noite anterior, eu invoquei Ratomi; e ela veio até a mim de maneira divina e luzente.
Enfim, estou defronte a ela, pergunto-lhe, olhando em seus olhos, se ela é aquela mulher escolhida e a única salva pela mãe natureza da destruição da Terra. Mediante a essa indagação, Ratomi entra em síncope e se perde de si e da sua própria alma. Depois de algum tempo, ela retoma os sentidos e me afirma que foi a mulher que cumpriu essa penosa missão a milhões de anos atrás na Terra. E ela me relata que não fora nada fácil ser uma espécie de pivô de tal acontecimento. Sabia que era uma grande renúncia mas ficou segura de si e no que ia fazer, pois entendia os propósitos da mãe natureza, que sempre estão além dos pensamentos de qualquer ser.
Enquanto Ratomi discorria comigo, eu podeia vê-la em alguns momentos perder a concentração do seu espírito, creio eu que, seja por causa dessa recordação vir a tona depois de muito tempo do fato sucedido. Ela me relata ainda que o propósito da mãe natureza era de construir um novo mundo. Com ideias e perspectivas diferentes do planeta Terra. A natureza acima de tudo e de todos, localizada num plano superior, não só no cosmos como sempre esteve, mas também na cabeça e no coração dos seres que difundiam a humanidade, de si e em si.
Assim a natureza fez: criou nosso mundo e todos nós que aqui habitamos do jeito que fora arquitetado nos seus pensamentos e imaginário. Até chegarmos a Soyage, passamos por uma grande odisséia, uma jornada cheia de peripécias extraordinárias e nunca dantes imaginadas ou sentidas, por nenhum outro ser semelhante aos deuses, que o diga Ratomi, a deusa que engendrou o fio da história, aqui: uma deusa centro-múndi.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

HOMENAGEM: VITOR GUERRA (PORTUGAL/MOÇAMBIQUE)

PUREZA




VITOR GUERRA (PORTUGAL/MOÇAMBIQUE)



Ouvia-se ao longe
as folhas das árvores
o rugir do vento
o tinir da chuva


E num quarto
de um pequeno hotel
de uma artéria qualquer
na velha cidade


Eu e tu
corpo contra corpo
tentávamos fugir
à solidão que nos rodeava

Procurávamos esquecer
a velha monotonia do dia-a-dia
E na sofreguidão dos instantes
acabamos por esquecermo-nos
de nós próprios


As minhas mãos percorriam
de ponta a ponta o teu corpo
Voltamos
então
momentaneamente à realidade


Ouvia-se ao longe
o choro agudo
duma criança com fome
o estalido grave duma porta
o estampido dissonante duma bala
e o baque seco
de um fardo a cair no passeio


Um grito de horror
e de medo
num País escravizado e oprimido


Embrenhamo-nos
então
de novo
na nossa árdua tarefa de amar


E o meu último pensamento
antes de me afundar
no abismo da inconsciência
foi:
Que talvez o nosso amor furtivo
fosse a única coisa pura deste mundo



*VITOR GUERRA: nasceu em 3 de agosto de 1968, em Lisboa, Portugal. Mora em Maputo, Moçambique. Diretor de Operações na empresa Altel. Formado em Engenharia, Universidade Eduardo Mondlane.