sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

LAERTE COUTINHO É ENTREVISTADO POR ESTUDANTES E PROFESSORES PARA A A.E.A.C.











Show!!!          
         Muito obrigada pelo convite para essa entrevista!
                                   Aqui respondo:



LAERTE COUTINHO ENTREVISTADO POR  ALUNOS DA TURMA 901/2016, DO CIEP BRIZOLÃO 121 -  PROF. JOADÉLIO CODEÇO                                                                                                         


01-     GISELLA DA SILVA MEDEIROS: Com que idade você decidiu ser chargista? E por que 
decidiu sê-lo?


LC: Até uns vinte e tantos anos, não pensava em ser desenhista profissional - achava que ia trabalhar com teatro, música ou cinema. 
Quando comecei a publicar, foi aí que entendi (e aceitei) a possibilidade de uma profissão com desenho.
 
Fiz ilustração, quadrinhos e charges desde então.
 
Por quê?
 
Porque desenho é uma forma de expressão com que me identifico muito, desde criança.

02-     CÁSSIA KETELY FILADELFO: Como se
 processa o seu trabalho criativo?  

LC: É difícil dizer, porque estamos falando de processos mentais…O pensamento é coisa complexíssima. 
E quando envolve desenho, fica mais complexo ainda porque o gesto de desenhar também é uma espécie de pensamento.
 
Pra não ficar só na vaguidão, vou dizer que a maior parte das ideias tem sua origem em outras ideias - na experiência que temos e vamos acumulando de muita leitura e informação, de variadas fontes: jornais, livros, tevê, filmes, músicas, cenas vividas, conversas etc.
Então, quanto mais rica é a nossa experiência cultural, mais ideias teremos, mais coisas criaremos.

03-     MURILO DA S. P. SEVERINO:  Como foi
 criar a sua primeira obra artística?  Como 
foi a sua infância?  Lia muito ?

LC: Não sei qual foi essa primeira obra artística…Considero a expressão gráfica de uma criança - toda criança desenha - uma obra tão artística quando a de uma pessoa adulta que consideramos “artista”.
Algumas vezes, pra falar a verdade, achei que produzi uma “obra de arte”, mas em geral nem chamo meu trabalho de “arte”.
 
Penso nele como uma forma de produção cultural e fico por aí. A palavra “arte” me atrapalha um pouco.
Fui uma criança cercada de boas condições - tive espaço pra brincar, na rua e no bairro, e muito acesso a livros, a televisão, a uma boa escola, a amigos.
Acho que fui uma criança - e jovem - que sempre gostou muito de ler.

04-     FERNANDO TENÓRIO C. SILVA: O que é
 ser um quadrinista/chargista?  Você faria 
uma oficina de charge aqui no Ciep 121?

LC: Iria até aí pra conversar com vocês, mas preciso avisar duas coisas: uma, que sou péssima pra dar oficinas. 
Gosto de conversar e trocar experiências, mas “oficina”, “palestra”, “aula”, não consigo dar.
 
Outra, que tenho tido grandes dificuldades pra viajar. E moro em S. Paulo…
Ser  quadrinista, chargista, ilustradora, é um trabalho muito gostoso.
As pessoas dizem “gratificante”, também.


05-     LARISSA DA CONCEIÇÃO PACHECO: No
 início de sua carreira, você sentiu medo de 
não conseguir ser um artista como sonhou?

LC: Não, eu sempre fui fazendo sem pensar se ia conseguir ou não.
Já passei por várias fases de dificuldade, com pouco trabalho e dinheiro.
Acho que acontece com todo mundo.
Pra ficar nos termos da sua pergunta, a artista que sonhei ser sempre foi a artista que estava sendo naquele momento…
Sonho, pra mim, é o que rola enquanto durmo, mesmo…


06-     LIDIANY MARINHO DOS SANTOS: Qual foi
 a sua primeira charge?  O que ou quem te inspirou a fazê-la?

LC: Não teve uma “primeira”. Ou teve, não lembro bem.
Mas lembro do primeiro desenho que fiz para um veículo que me pagou pra fazê-lo - a revista Banas, que não existe mais.
Não foi tão emocionante quanto ver meu primeiro desenho impresso numa publicação - coisa que aconteceu antes, no jornal do Centro Acadêmico - ou o primeiro prémio que ganhei num concurso de desenho, que foi em 1971, no Concurso Universitário de Desenho de Humor, na USP.

07-     KATHIANE M. OLIVEIRA: Qual a sua
 charge e/ou obra  mais conhecida?

LC: Não sei direito. Acho que foi a série de histórias com os Piratas do Tietê…

08-     THIFFANY CAROLINA DA SILVA FABRÍCIO:
 Você gosta de poesia?  Já escreveu algum livro ?

LC: Gosto de poesia, sim. Não escrevi muita poesia, pra ser franca. 
Uma vez escrevi um cordel, que é uma forma tradicional de poesia que se faz no nordeste.
Eu usei essa forma para homenagear um trabalhador que havia sido assassinado pela polícia, numa greve - o Santo Dias da Silva.
Isso foi em 1979.
Fora isso, muitas vezes crio tiras de quadrinhos pensando de uma forma que me parece a mesma da poesia.
Mas aí é preciso perguntar pras pessoas se parece mesmo.


09-     EDUARDA DA G. O. DOS SANTOS: Qual a
 sua reação quando alguém te reconhece na rua?

LC: Fico satisfeita, muitas vezes emocionada.

10-     KATHIANE M. OLIVEIRA: Para você o
 que é o sucesso?  E o que é ser sucesso?

LC: Em outras línguas, “sucesso” é qualquer coisa que aconteça - que “suceda”.
Na nossa língua e cultura, a palavra ganhou um sentido que não me agrada muito, porque se refere de modo impreciso a algo onde a pessoa se destaca e se torna famosa, seja o que for.
A palavra pode ter um sentido ligado a ganhar dinheiro, também - coisa que me parece muito discutível.
Gosto de buscar satisfação com meu trabalho - em fazer com que ele seja conhecido e tenha um significado interessante para as pessoas.
Considero as pessoas que veem minhas histórias como gente conhecida.
Gosto da ideia de que se sintam tocadas, em algum sentido.


11-     FERNANDO TENÓRIO C. SILVA: Você
 falaria a sua idade?  Como você se vê na 
Cultura Brasileira?

LC: Falaria e falarei, sempre - estou com 65 anos, hoje.
Não sei como me vejo na cultura brasileira, sei que estou no meio dela…


12-     ANA CLAUDIA RAIMUNDA MONTOSANE:  O
 que você pensa sobre o feminicídio?

LC: Acho que foi muito bom ter sido objeto de preocupação em termos de legislação.
Mulheres são vítimas de muita violência e brutalidade no Brasil.
A lei sobre feminicídio vem se juntar à Lei Maria da Penha e à existência das Delegacias da Mulher, mas ainda é preciso muita ação para diminuir essa violência e para vencer aquilo a que chamamos de cultura do estupro.
Em nosso país acontece um estupro a cada 10 minutos.
Acho importantíssimo que as crianças e jovens tenham na Escola um apoio para a discussão e aprofundamento das questões de gênero - que é onde esse problema de violência pode e precisa ser tratado.


13-     RODRIGO CORREA ANTUNES: Você já
 passou por uma dificuldade extrema? Caso 
seja sim, como foi?

LC: Já passei por várias dificuldades extremas.
Já tive momentos de grande dificuldade material (e tive a sorte de poder contar com ajuda de amigos e parentes).
Já passei por situações de perigo - tive amigos presos e torturados.
Já passei pela dor de perder um filho.
Passei e continuei, provavelmente passarei de novo.
A vida é assim!

14-     THIAGO DA CUNHA DE SOUZA: Como ficou sua vida depois que você assumiu sua transexualidade?

LC: Só pra definir melhor - o que eu vivo é a transgeneridade.
É meio complicado, mas aprendi isso e passo adiante: transgeneridade é quando a pessoa está em conflito com o modo com que a sociedade espera que ele se conduza e expresse em termos de gênero.
 
Quando nascemos, somos definidas como “homem” ou “mulher” (existem ainda as pessoas intersexo, é bom lembrar) segundo a genitália que temos.
 
Por causa disso, a sociedade espera que nos comportemos de modo “masculino” ou “feminino” - isto é, que sejamos congruentes, em termos de gênero, com o nosso sexo.
Mas gênero é algo que varia conforme a época ou o lugar, na história humana.
É algo definido pela cultura, não pela natureza.
E, modernamente, as sociedades vêm compreendendo e aceitando a vivência e o comportamento transgênero, que sempre foi praticado, em todas as sociedades: seja como atividade religiosa, seja como comportamento de determinados grupos.
Hoje, a transgeneridade se expressa através de muitas formas e nomes - a travestilidade, o crossdressing, a transexualidade, a não-binariedade, as atividades de drag queens e drag kings, de transformistas, as experiências festivas e rituais etc.
Fala-se de transexualidade, em geral, em relação a pessoas que percebem como pertencentes a outro sexo, não apenas identificadas com outro gênero.
Meu caso não é esse - é de transgeneridade.
No início, me identifiquei com o crossdressing - me dizia uma crossdresser.
Depois de um tempo achei que não fazia muito sentido, já que queria viver como mulher o tempo inteiro.
Minha vida ficou muito mais legal!
Eu me sinto mais satisfeita e próxima do que sinto ser eu mesma.

15-     ALICE MARINA DA SILVA:  O que é ser ou tornar-se transexual?

LC:
Acho que essa pergunta já está respondida aí em cima…
Se quiser saber algo mais específico, pode perguntar.


16-     ÁLLEF DA CONCEIÇÃO FERREIRA: Qual
 foi a reação dos seus pais quando você 
resolveu assumir a sua sexualidade e/ou
 transexualidade?

LC: Foi muito boa. Eles estranharam um pouco, mas não deixaram de me amar nem um milímetro.
Conversamos sempre e eles expõem o que os inquieta, trocamos ideia etc.
Acho que só ficamos mais próximas.

17-     JONATHAN DA SILVA FIRMINO: Como você
 lida com o Preconceito?  Qual o maior ato de violência que já sofreu?

LC: Preconceito, mais do que uma “ideia pronta”, é uma ideia pronta que não muda nem quando confrontada com outras realidades e argumentos. 
É uma ideia à prova de novas ideias.
 
É preciso enfrentá-lo em muitos lugares e situações, no cotidiano, na vida social, na profissão, na política.
Podemos enfrentá-lo com informação e debate, mas também com ajuda de regras ou leis que defendam as pessoas que o preconceito vitima.
No meu caso particular - estou me referindo à transgeneridade - sofri pouco, porque já era uma pessoa conhecida e relativamente respeitada.
 
Depois de algum tempo passei a ser aceita com afeto, em geral.
 
Não é o que se passa com a grande maioria das pessoas transgênero no Brasil.
Cheguei a ser importunada por causa do uso do banheiro feminino, mas esse assunto hoje já está bem mais esclarecido.
Existem leis que garantem o acesso, em S. Paulo e em muitos estados - acho que no Rio também.


18-     LORRANY VICENTE R. BATISTA: Você já
 foi preconceituosa com alguém? E no início 
de sua carreira, já sofreu ou causou
 preconceito?

LC: Sim, já fui. 
Já fui agressiva com gays, de diversas formas.
 
São situações de que não gosto de lembrar; por isso, devo ter agido de forma preconceituosa em relação a outras pessoas também - talvez tenha escondido da minha própria memória.

19-     GABRIELA SANTOS DE MATTOS: Laerte, como você se sentia antes e como se sente 
agora sendo assumidamente transexual?  Por
 quê?

LC: Sou transgênero, é bom repetir.
Todo processo de entendimento e aceitação de algo tão forte e íntimo como a transgeneridade é especial - muitas características são comuns, outras não.
No meu caso, por exemplo, não existe um sentimento de frustração em relação à masculinidade que eu já vivi.
Existe tal sentimento, sim, em relação à homossexualidade, que é o desejo sexual por pessoas do mesmo sexo, e que eu bloqueei ferrenhamente em mim por mais de 30 anos.
Quando resolvi aceitar que gostava de fazer sexo com homens, abriu-se uma grande paz interna, que me permitiu descobrir, alguns anos depois, que queria transitar no campo de gênero.
É fonte de grande satisfação, hoje.



20-     AMANDA MACSIENE SANTANA SILVA: Como
 surgiu a ideia de criar a sua entidade que cuida/apoia as pessoas transexuais?

LC: A ABRAT (Associação Brasileira de Transgêneros) foi criada para servir como meio de juntarmos nossas atividades, eu e mais 3 amigas.
Não é uma associação como imaginávamos, e também não existe como entidade com sede física e tudo - não conseguimos registrá-la.
 
Temos uma página de debates no facebook e desenvolvemos o TransEmpregos, um projeto que busca ajudar pessoas trans a conseguir empregos e empresas a abrirem suas vagas para pessoas trans.

21-     ANA CAROLINE S. SARGES: a) Seu jeito
 de ser e ver o mundo mudou?  Por quê?
b) E verdade que pretende escrever um livro
 de memórias?

LC: Não me tornei outra pessoa depois de começar a vida na transgeneridade. 
Sou a mesma pessoa, só que muito mais satisfeita.
Pretendo fazer uma história, sim - não um livro de memórias, mas uma história mais ou menos baseada na minha experiência de via nesses 40 e tantos anos.
Meu projeto é que essa história tenha como eixos principais o sexo e a política, temas que envolvem grandes mudanças e processos densos para mim, pessoalmente, assim como para as pessoas no meu país e no mundo.

22-     LUAN K, RODRIGUES FARIA: Como foi a
 aceitação do seu público para a 
transformação em sua vida?  Faria uma charge
 para a  Revista de Arte que estamos a 
construir?
 

LC: As pessoas que me leem e curtem receberam meus movimentos pessoais com compreensão e afeto.
Uma charge para a sua revista?
Pode ser, mas pode me falar mais sobre isso?


23-     PROFESSORA VANDA LÚCIA DA COSTA
 
SALLES: Laerte, sou professora de produção
 textual da turma 901. E você foi a 
personalidade brasileira escolhida pelos
 alunos para representar a Cultura Brasileira 
em nossa Feira Literária e Café Literário no
 dia 23 de setembro, além de ser também 
matéria de nossa prova bimestral, portanto a
 minha pergunta: É possível conceder-nos essa entrevista?  Desde já, agradecida.

LC: Vanda, obrigada pela escolha e pelas perguntas - que adorei! Obrigada e beijos pra você e pra suas alunas e seus alunos!  Se quiserem fazer mais perguntas, podem usar este e-mail pelo qual respondi.

Beijos!
Laerte


 Obs.:  Está entrevista fará parte da I ANTOLOGIA ESTUDANTIL DE ARTE CONTEMPORÂNEA -A.E.A.C.

      Agradecemos ao Laerte Coutinho!!!  Olhe, estamos preparando o Encontro de Arte para Maio!!!



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