UM BROTO DE FLOR TALISMÃ À DEUSA
DOS NAVEGANTES
VANDA LÚCIA DA COSTA SALLES
Ramagala
navega seu barco. Ramagala possui três
filhos, entretanto está somente com dois
dos filhos colhendo ostras que
rodeiam os penedos onde entra a maré
e a mesma maré já com fúria quebrada
adormece suas lindas filhas espumas, essas marotas ondinas, cujo entardecer germina uma raiz de sombra,
mas parecendo flor de lótus em suas faces brejeiras. Um pássaro currião grita
ao longe. Perto, um martim-pescador- malhado pula entre pedras à caça de
comida. Um peixe pula. Um filhote de dourado esparrama água longe. Duas garças
e alguns colheiros-de-caras-pretas
também se assanham por ali. O pescador sorri, apruma a embarcação e
imagina o extasiar de Maria da Hora- a companheira de todas as horas e
instantes fecundos. A que registra na
memória a beleza da vida.
No mangal
da Taipa ou junto à Ponte de Flor de Lótus, Maria da Hora observa um olho
branco japonês, encantada com o gorjeio da belíssima ave e do seu aplumar, por isso registra todo
o movimento e características em um caderninho de estudante de Mandarim. Imagina
ser o filho do meio. Simultaneamente a isso, nesse exato instante, sua mente
pensa em Li Pie, o mais velho, e em Badigir, o filho caçula. Um trazendo
para casa gordos caranguejos para serem desfiados e guarnecer a desejada Sopa de Iacassá.
O outro a sua sonhada prenda. Um
prático, o outro utópico.
Badigir,
o filho caçula de Ramagala, tem um sonho quase impossível, o de encontrar um
broto de flor talismã e ofertar à grande Deusa A-MÁ, pois acredita fervorosamente na possibilidade,
somente ali, no soçobro. Por isso
mergulha em busca de seu sonho. Pensa convicto “Ah, se eu encontro! Tudo, tudo, seria diferente”. Poderia pedir a
mão da mulata Dandara, a Porta-bandeira
de uma escola de samba do Rio de Janeiro, lá no Brasil. Mas também pedir o
retorno do irmão do meio do fundo do mar.
Nesse
exato instante, Maria da Hora percebe você Leitor Desavisado tão desconcertado surgir, trazendo nas mãos o
pote. E no dentro, a flor.
Em um ato
de amor, ela percebe a importância de sua visitação, e lhe convida a participar da roda de palavras
e diz, então em seu jeito peninsular: “ O filho do meio? -. Ah!
Caro Leitor, nem queira saber!
Que Tristeza imensa! Um
desperdício de rapaz. Na realidade um desmiolado. Não é que o que mais desejava
era abandonar a Cidade de Santo Nome de
Deus de Macau e se tornar um jogador do Cassino Royal e ir viver em Las Vegas, lá do outro lado do mundo. Longe de eu
ter alguma coisa contra Las Vegas. Mas o pai... Não, não, não. Ramagala não aguentaria. Tinha
mania de ventríloquo. Só vivia com um boneco desengonçado, inventando falas e
rudes piadas. Um mal gosto só. Até que, certa vez em que o vento soprava forte,
na praia grande da península, veio uma grande onda e o abocanhou feito peixe,
levando para o profundo, lá onde vive a deusa A-MÁ. Lá onde as pérolas são mais que preciosas e
geram vidas e crias perfeitas”.
Curioso,
você Leitor, não aguenta e indaga-lhe:
- Como se
deu o fato? Como foi que o filho do meio
transformou-se na Flor Talismã? Por quê?
- O porquê
deu-se porque o filho do meio negou a A-MÁ, em pleno Festival da Flor de Lótus,
uma sopa de Iacassá.
- ?
?? - Interrogativo você Leitor se retrai e franze as
sobrancelhas. Poderia até ser o filho do meio, mas sei que não és. Pois, o
filho do meio assim fazia. Um cacoete-. Eu, a mão que escreve, bem sei.
- Pois
é! Ah, caro Leitor, queres é saber o
que é essa tal sopa. É uma gostosura que
vale cada pataca da gente. Venha, sente-se à mesa e prove esta suculenta sopa de Iacassá que vejo já lhe põem água na boca. Para um bom observador, que sei que és, perceberás dentro dessa linda
sopeira de porcelana ancestral que bisavó Mai Ling trouxe de Cantão, uma boa massa de arroz com caldo de camarão,
gengibre, azeite e porção de carne desfiadas de caranguejos . Soberbo,
não?! Donana, a africana, irá lhe
confirmar tudinho. Ela chegou no mesmo barco que trouxe a Donana para a nossa
península. Ficaram irmãs. Solidariedade é coisa que pouca gente entende. Mas,
quem padece de dor de exílio e peregrinação pela terra, sabe o que corta coração.
Enquanto caminhavam: A mão que escreve, Você Leitor, e Maria da Hora, compartilhavam as suas
idiossincrasias e a partir de suas sensibilidades eriçadas repartiam o
conhecimento e o louco desejo de atravessar com
ternura de um novo e profícuo
aprendizado a grande Ponte da Amizade... Daí a pergunta:
- Queres
voar comigo?
De tudo
que sabemos é que a sede não cabia no
pote.
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