sábado, 12 de março de 2016

PROSA: UM BROTO DE FLOR TALISMÃ À DEUSA DOS NAVEGANTES-VANDA LUCIA DA COSTA SALLES












              UM BROTO DE FLOR TALISMÃ À DEUSA DOS NAVEGANTES

                                                 VANDA LÚCIA DA COSTA SALLES
                                  
      Ramagala navega seu barco.  Ramagala possui três filhos, entretanto está somente com  dois dos filhos colhendo  ostras que rodeiam  os penedos onde entra a maré e  a mesma maré já com fúria quebrada adormece suas lindas filhas espumas, essas marotas ondinas,  cujo entardecer germina uma raiz de sombra, mas parecendo flor de lótus em suas faces brejeiras. Um pássaro currião grita ao longe. Perto, um martim-pescador- malhado pula entre pedras à caça de comida. Um peixe pula. Um filhote de dourado esparrama água longe. Duas garças e alguns colheiros-de-caras-pretas  também se assanham por ali. O pescador sorri, apruma a embarcação e imagina o extasiar de Maria da Hora- a companheira de todas as horas e instantes fecundos.  A que registra na memória a beleza da vida.
       No mangal da Taipa ou junto à Ponte de Flor de Lótus, Maria da Hora observa um olho branco japonês, encantada com o gorjeio da belíssima ave  e do seu aplumar, por isso registra todo o  movimento e características em um  caderninho de estudante de Mandarim. Imagina ser o filho do meio. Simultaneamente a isso, nesse exato instante, sua mente pensa em  Li Pie, o mais velho,  e em Badigir, o filho caçula. Um trazendo para casa gordos caranguejos para serem desfiados  e guarnecer a desejada Sopa de Iacassá. O  outro a sua sonhada prenda. Um prático, o outro utópico.
        Badigir, o filho caçula de Ramagala, tem um sonho quase impossível, o de encontrar um broto de flor talismã e ofertar à grande Deusa A-MÁ, pois  acredita fervorosamente na possibilidade, somente ali, no soçobro.  Por isso mergulha em busca de seu sonho. Pensa convicto “Ah, se eu encontro!  Tudo, tudo, seria diferente”. Poderia pedir a mão da mulata Dandara,  a Porta-bandeira de uma escola de samba do Rio de Janeiro, lá no Brasil. Mas também pedir o retorno do irmão do meio do fundo do mar.   
        Nesse exato instante, Maria da Hora percebe você Leitor Desavisado tão  desconcertado surgir, trazendo nas mãos o pote. E no dentro, a flor.
        Em um ato de amor, ela percebe a importância de sua visitação, e  lhe convida a participar da roda de palavras e diz, então em seu jeito peninsular: “ O filho do meio? -.  Ah!  Caro Leitor, nem queira saber!  Que Tristeza imensa!  Um desperdício de rapaz. Na realidade um desmiolado. Não é que o que mais desejava era  abandonar a Cidade de Santo Nome de Deus de Macau e se tornar um jogador do Cassino Royal e ir viver em  Las Vegas, lá do outro lado do mundo.  Longe de eu  ter alguma coisa contra Las Vegas. Mas o pai...  Não, não, não. Ramagala não aguentaria. Tinha mania de ventríloquo. Só vivia com um boneco desengonçado, inventando falas e rudes piadas. Um mal gosto só. Até que, certa vez em que o vento soprava forte, na praia grande da península, veio uma grande onda e o abocanhou feito peixe, levando para o profundo, lá onde vive a deusa A-MÁ.  Lá onde as pérolas são mais que preciosas e geram vidas e crias perfeitas”.
        Curioso, você Leitor, não aguenta e indaga-lhe:
        - Como se deu o fato?  Como foi que o filho do meio transformou-se na Flor Talismã? Por quê?
       - O porquê deu-se porque o filho do meio negou a A-MÁ, em pleno Festival da Flor de Lótus, uma sopa de Iacassá.
       - ? ??  - Interrogativo  você Leitor se retrai e franze as sobrancelhas. Poderia até ser o filho do meio, mas sei que não és. Pois, o filho do meio assim fazia. Um cacoete-. Eu, a mão que escreve, bem sei.
         - Pois é!   Ah, caro Leitor, queres é saber o que é essa tal sopa.  É uma gostosura que vale cada pataca da gente. Venha, sente-se à mesa e prove esta  suculenta sopa de Iacassá  que vejo já lhe põem  água na boca. Para um bom observador,  que sei que és, perceberás dentro dessa linda sopeira de porcelana ancestral que bisavó Mai Ling trouxe de Cantão,  uma boa massa de arroz com caldo de camarão, gengibre, azeite e porção de carne desfiadas de caranguejos . Soberbo, não?!   Donana, a africana, irá lhe confirmar tudinho. Ela chegou no mesmo barco que trouxe a Donana para a nossa península. Ficaram irmãs. Solidariedade é coisa que pouca gente entende. Mas, quem padece de dor de exílio e peregrinação pela terra,  sabe o que corta coração.
          Enquanto caminhavam: A mão que escreve, Você Leitor,  e Maria da Hora, compartilhavam as suas idiossincrasias e a partir de suas sensibilidades eriçadas repartiam o conhecimento e o louco desejo de atravessar com  ternura de um novo  e profícuo aprendizado a grande Ponte da Amizade... Daí a pergunta:
        - Queres voar comigo?
         De tudo que sabemos é que a  sede não cabia no pote.